A Interativa conversou com a Promotora de Justiça, Rosangela Corrêa da Rosa sobre a volta das aulas presenciais, um dos assuntos mais discutidos atualmente. O fato tem causado preocupação em pais, professores e no público em geral.
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Rosangela é Promotora de Justiça há 25 anos. Titular, desde 2014, na Promotoria de Justiça Regional de Educação de Santa Maria, que tem abrangência em 44 Municípios e em 19 Comarcas da região central do Estado, com atuação na defesa do direito à Educação, no âmbito coletivo e difuso. O Ministério Público possui 10 Promotorias de Justiça Regionais de Educação, atendendo de forma especializada todo o território do RS.
Qual é a função da Promotoria de Justiça Regional de Educação?
Rosangela Corrêa da Rosa: Para exemplificar nossa atuação, a Promotoria de Justiça Regional de Educação de Santa Maria fiscaliza, com medidas extrajudiciais e judiciais: o cumprimento, pelo Estado e Municípios, das Metas do Plano Nacional de Educação – Lei 13.005/2014; a universalização das matrículas e frequência na pré-escola, que passou a ser obrigatória para 04 e 05 anos, desde 2016; o aumento de vagas na educação infantil, incluindo a construção de escolas de educação infantil em município zero creche e a construção das escolas Pró-infância (obras paralisadas); a acessibilidade física e pedagógica das escolas privadas e públicas; a regularização das escolas, quanto a alvará de prevenção de incêndio, alvará sanitário e autorização de funcionamento pelo Conselho de Educação; assegurar a correção de fluxo (defasagem série-idade), com recuperação da aprendizagem, nas escolas; oferece formação em práticas restaurativas, para o enfrentamento das causas da exclusão escolar e dos conflitos escolares, visando a melhoria das relações na comunidade escolar, explica a Promotora.
O que estão fazendo quanto à falta de aulas presenciais?
Rosangela Corrêa da Rosa: O Ministério Público, para assegurar direitos fundamentais, como a Educação, privilegiou uma atuação resolutiva. Desde junho de 2020 trabalhamos com Municípios e Coordenadoria Regional de Educação, bem como com as escolas privadas para preparação das escolas para o retorno presencial e organização dos COE (Centros de Operações de Emergência em Saúde e Educação), com realização de grande número de reuniões virtuais. Foram expedidas Recomendações conjuntas com diferentes ramos do Ministério Público para execução dos protocolos na retomada das aulas presenciais. As Promotorias de Justiça Regionais de Educação tiveram representação junto à Comissão Estadual coordenada pela Secretaria de Estado da Educação para a normatização da volta às aulas.
Pelo fato de a pandemia ser extremamente dinâmica, decidimos emitir Notas Públicas, externando e uniformizando o posicionamento das Promotorias de Justiça Regionais de Educação durante as fases da pandemia.
Com a nova legislação autorizando o retorno às aulas presenciais, o Ministério Público do RS realizou levantamento da situação de retomada das aulas presenciais, por rede de ensino, em todos os municípios do RS. Em seguida, passou a realizar reuniões com os Chefes de Executivo Municipal, Secretários de Educação e Coordenadores Regionais de Educação, para discutir o caráter essencial da educação no RS e para analisar as condições de retorno da rede pública, uma vez que a grande maioria dos municípios já autorizara o retorno da rede privada. Cabe lembrar que esse retorno presencial da rede privada foi resultado da grande mobilização de pais e mães, situação que não se verificou na rede pública. Fica uma questão: Por que os pais e mães de alunos da rede de ensino pública, mesmo os que expressaram interesse no retorno, não se mobilizaram para o retorno das aulas presenciais?
Com a reunião com os Prefeitos, obteve-se êxito na retomada presencial das escolas públicas, na maioria dos municípios. Os casos, ainda pendentes, foram objeto de formalização de Recomendação ao Chefe do Executivo Municipal e ao Secretário Municipal de Educação, para providências para o retorno das aulas presenciais. No caso de não atendimento da Recomendação, o próximo passo poderá ser o de acionar o Poder Judiciário, existente violação do direito fundamental à educação. Porém, buscamos esgotar a via administrativa, acreditando que o diálogo e o convencimento dos gestores serão propulsores de uma retomada colaborativa.
Embora se verifique uma resistência de retorno em poucos Municípios, a grande maioria já iniciou ou informou que retornará às aulas presenciais até o início de agosto. É urgente que os gestores observem a legislação vigente, reestabelecendo a proporcionalidade necessária e o respeito à ordem constitucional prioritária no plano de restrição das atividades sociais e econômicas do município, afastando a evidente incoerência de autorizar o funcionamento de outras atividades sociais e econômicas, não essenciais, em detrimento do serviço público essencial de educação, que deve receber prioridade absoluta ante a sua essencialidade.
Outra ação importante do Ministério Público é a recente campanha nas redes sociais “Volta para Escola”, que visa a sensibilizar os pais de que a Escola é um lugar seguro. Pois não bastam as escolas estarem abertas, é preciso que a comunidade escolar tenha confiança de que a escola está preparada para receber os alunos.
Professores já vacinados e ainda negando o direito à educação. Qual a medida a ser tomada?
Rosangela Corrêa da Rosa: Inicialmente, penso que é importante acolher e escutar a temeridade dos profissionais. Muitas vezes a resistência pode ser resultado das muitas informações desencontradas que circulam. Os professores, assim como os pais, precisam ser sensibilizados de que a Escola é um lugar seguro.
Mas essa acolhida não pode sobrepor o princípio de que, no caso das crianças e adolescentes, a educação é direito subjetivo, que deve ser garantido com prioridade absoluta. Assim, no contexto de rediscussão de prioridades e planejamento da liberação de atividades, incide o princípio da prioridade absoluta aos direitos da criança e do adolescente, que tem previsão no texto constitucional (art. 227, caput, CF/88) e no estatuto protetivo (art. 4º, caput e parágrafo único, ECA). O asseguramento dessa normativa é exigível dos gestores, dos pais e também dos profissionais da educação.
Assegurar o retorno às aulas presenciais, assim como a qualidade do ensino remoto, é obrigação das mantenedoras, ou seja, do gestor municipal, no caso das escolas municipais, e do gestor estadual, no caso das escolas estaduais. Assim, incumbe cada mantenedora adotar as providências para o retorno presencial, seja quanto ao planejamento e destinação dos EPIs necessários para cumprimento dos protocolos sanitários; como nas questões administrativas de organização do quadro de profissionais da educação necessários para a retomada presencial.
A vacinação não é condição legal para o retorno presencial e cada Procuradoria Jurídica tem condições técnicas de orientar os Administradores Públicos quanto às medidas legais a serem adotadas, no caso de negativas de retorno, sem justificativa legal. A se aceitar essa tese de negativa de retorno, o que dizer aos profissionais da saúde que, desde a primeira hora, estiveram zelando pela saúde de toda a comunidade, mesmo quando ainda não disponível a vacina e até com falta de produção de EPIs suficientes? Ou aos profissionais da educação da rede privada que há muito estão assegurando o direito à educação dos seus alunos? Ou aos demais profissionais da educação da rede pública que retornaram às aulas presenciais? Sem ignorar que muitos desses profissionais aguardam o retorno das aulas presenciais na rede pública para que seus filhos tenham assegurado o direito à educação, na forma presencial, como a legislação e os protocolos permitem.
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O que o MP fará a respeito das 35 mil crianças em escolas públicas com déficit de aprendizado, algumas com evasão escolar e outras em vulnerabilidade?
Rosangela Corrêa da Rosa: Talvez a questão seja pensar no que pode ser feito para recuperar a aprendizagem desse período da pandemia. Assim como as pessoas contaminadas pelo covid-19 e que apresentam sequelas precisam de tratamento especializado e adequado, para a recuperação do aprendizado, os alunos precisam de atendimento pedagógico adequado e um caminho possível será a Pedagogia se socorrer de outros conhecimentos, como da Psicopedagogia, da Psicologia, da Neurociência e outras áreas que se disponham a contribuir. Já os gestores são chamados a cuidar do investimento em recursos humanos e materiais, na formação de professores e na orientação do planejamento de ações educativas diferenciadas e significativas para os alunos. Acreditamos que recuperar a aprendizagem é possível com comprometimento, corresponsabilidade e trabalho colaborativo.
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