Artigo de opinião

Querem vender a água pública do RS

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Na histórica reunião ministerial de abril do ano passado, o povo brasileiro pode, a partir de uma decisão do STF, ver e ouvir o que foi dito e tratado na ocasião pelo presidente e seus ministros. Além dos inúmeros palavrões, ataques à democracia e aos outros poderes da República proferidos pelo mandatário, uma fala chamou a atenção. Foi a do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, para quem o governo deveria aproveitar o caos sanitário trazido pela pandemia da covid-19, e que por isso estava atraindo toda a atenção da sociedade e da imprensa, e passar a “boiada”, em referência a medidas impopulares ou ilegais que poderiam vir a ser questionadas na justiça.  Esse evento, tão trágico como desumano, me veio à mente poucas semanas atrás, quando aqui no nosso estado, em meio às repetidas bandeiras pretas, com o crescente número de pessoas contaminadas pelo vírus, pelos óbitos em escala ascendente e pelo colapso da rede de saúde que não está dando conta de atender a população, o governador Eduardo Leite anunciou que iria privatizar a nossa Corsan, a companhia que garante o tratamento e a distribuição da água que chega todos os dias em nossas torneiras. Um desejo que joga no lixo seu compromisso de campanha, dito e reforçado inúmeras vezes durante a disputa eleitoral de que não iria se desfazer da Companhia.

E para isso, desengavetaram dos escaninhos da Assembleia Legislativa um projeto que estava parado desde 2019 no Parlamento e que prevê tirar da população gaúcha o seu direito, este garantido em nossa constituição estadual há quase 20 anos, de ela própria decidir se quer ou não se desfazer, entregar para a iniciativa privada não só a Corsan, mas também o Banrisul e a Procergs. A exemplo do ministro Salles, o governador está se aproveitando de um momento crítico para, a toque de caixa, vender um patrimônio construído há décadas, com muito suor e investimento público. Estamos falando de algo complexo, que irá beneficiar somente um lado da balança e cujos resultados afetarão, pesada e negativamente, a vida de toda a população do nosso estado.

A pergunta que fica é: do que eles – governo e sua base aliada no legislativo estadual – têm medo? Por que o receio de fazer a consulta ao povo? Essa me parece uma das questões fundamentais do debate, pois se sabe que a opinião pública não é favorável à entrega dessas empresas históricas. Quem é dono delas é o povo gaúcho e não os governantes de plantão. Como já afirmou o próprio autor da lei que originou, em 2002, a garantia de um plebiscito, o ex-deputado Vieira da Cunha, ela veio na esteira da traumática experiência vivida por todos nós no governo de Antônio Britto, quando este vendeu grande parte da CEEE Distribuidora e o dinheiro se esvaiu no ar, sem que o estado resolvesse seus problemas de caixa e as regiões hoje atendidas pela empresa que a comprou continuem a sofrer com a ausência de serviços, quedas de energia e aumento de tarifas.

Essa avaliação ganha ainda mais respaldo quando são analisados os últimos dados oficiais que apontam que a Corsan tem obtido R$ 300 milhões de lucro líquido por ano e o Banrisul, só no ano passado, lucrou perto de R$ 825 milhões. Isso nos mostra que vender empresas estatais sólidas e que geram lucro é lesivo ao estado. Em 2007, o governo Yeda Crusius abriu o capital do Banrisul – única instituição financeira presente em 117 localidades gaúchas – e captou R$ 1,2 BI. Mas o que o banco teve de repassar aos acionistas e deixou de entregar para o estado desde então foi muito mais do que isso. O mesmo vale para a Procergs, cujo patrimônio pode ser avaliado a partir da sua própria função, que é o processamento de dados e de informações dos setores público e privado, o que é considerado “ouro” no atual mercado de TI, tão disputado como protegido pelas principais nações do mundo. Esses números – e teríamos outros mais para mostrar – revelam o motivo de, neste momento, sem dúvida inoportuno, o governo querer sonegar um debate sério e transparente a respeito.

E, em Santa Maria, temos um exemplo concreto a respeito do papel social – e imprescindível – da Corsan no desenvolvimento regional, onde, hoje, está em pleno andamento a duplicação da Estação de Tratamento de Esgoto, o que irá garantir saneamento tratado para 85% da população já em 2025. A partir do ano que vem, através do Fundo de Gestão Compartilhada, 6% do faturamento mensal local da Companhia irá para o caixa do Executivo Municipal. Serão R$ 10 milhões por ano destinados diretamente para aplicação na cidade, para gerar melhorias nos bairros, vilas e distritos. Após a conclusão das obras, a arrecadação global da Corsan em nossa cidade vai passar dos atuais R$ 15 milhões/mês para R$ 20 milhões/mês. Além disso, há o chamado subsídio cruzado, uma receita bastante importante da Corsan que, a partir de uma visão solidária da Companhia, possibilita água de qualidade na maioria das cidades do entorno, como Restinga Seca, Faxinal, Dilermando de Aguiar, entre outros. Sem o serviço público serão os pequenos que mais sofrerão com a privatização, pois grandes grupos econômicos ficarão com o “filé” e as pequenas cidades com a “carne de pescoço”.

Sonegar essas informações do povo, tratá-lo como incapaz de decidir sobre sua vida e retirar o direito de a sociedade de se manifestar é, no mínimo, antidemocrático. Sr. governador, o momento é de garantir renda emergencial àqueles que mais precisam, é de concentrar esforços para que as pessoas não morram na fila a espera de um leito de UTI, é de usar todos os recursos e mecanismos legais disponíveis no estado para a aquisição de vacinas, questões estas, aliás, que contaram como o voto e apoio, meu e da minha bancada, na Assembleia Legislativa para sua efetivação, mas que até o momento o Sr. não as concretizou e, apesar do seu discurso, se mostraram palavras jogadas ao vento.

 

Valdeci Oliveira, deputado estadual (PT)

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